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Família

Desvios no caminho que mantém, criam e misturam o EU

Trabalho

música

lazer

Faça, pare, vista

tire, saia, seja

Conhecida de uma amiga, o primeiro contato com Rosa (nome fictício) foi através de uma tela. Seu primeiro sorriso de simpatia foi ao me receber em sua casa, ou melhor, parte dela, revelada na ligação de vídeo. Já havíamos conversado antes para combinarmos a entrevista, marcamos o encontro às 8h da manhã durante o começo da semana. Afinal, este era um dos poucos momentos que conseguiria destinar um tempo sozinha para a conversa, seja na folga do trabalho, de suas atividades de lazer ou seu cuidado com a família.

Rosa é mais uma pessoa que não carece de títulos. Mulher, preta, gorda, mãe, profissional, amiga, e assim vai. O contato com os pesos que esses nomes trazem estão no dia a dia, herança de um corpo dito como “errado” no mundo que vive. Quando nasceu, filha de uma mãe branca, perguntaram: “ela é adotada?”. Ao crescer, foi apresentada à mentes fechadas com olhares maliciosos que se agarravam à sua pele e seu gênero. Na fase adulta, novamente sua existência foi questionada, porque, há 10 anos atrás, se tornou uma pessoa gorda.

seja às expectativas, críticas ou obrigações, o contato com o outro sempre muda de acordo com o grupo que está inserido, porém, os olhares são os únicos que se mantêm em todos os casos. Por mais que no convívio de Rosa tenha diversidade de pessoas gordas, as brincadeiras, os julgamentos e as “críticas construtivas” direcionadas ao seu corpo estão sempre presentes para a relembrar sobre o que ser gorda representa no meio em que vive.

EMAGRECER

SE CUIDAR

PARAR DE COMER

CORRER

VESTIR

SER

COMEÇAR

A fala de seus amigos é direta, sem enrolação. Na maioria das vezes, as piadas e comentários desconfortáveis são direcionados principalmente à sua saúde, insinuações que ditam seu cuidado somente pelo superficial. “Você tem que cuidar da sua saúde, emagreça para ficar saudável”. Da mesma forma como esses comentários chegam, as respostas dela também são diretas, afinal, “a vida é minha”.

TEM QUE

E

VOCÊ

V

FALAR

SE CALAR

TENTAR

OLHAR

VIRAR

DESISTIR

FAZER

SER

SER

Diferentemente da forma que os amigos a julgam com piadas, sua família não tem preocupação com o peso das palavras jogadas em Rosa. “Você tá gorda, você pode ser tão bonita, porque você não emagrece?” Como fruto de tratamentos ofensivos contra seu corpo, seu principal receio, tanto no contato com os amigos, familiares ou na sua profissão, é o fato de ser uma pessoa gorda e alta, o que, consequentemente, chama mais atenção dos olhares ao seu redor.

SER

Sujeito Sujeita
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bariatrica
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Então eu sempre vejo um pouquinho de receio das pessoas porque eu sou muito grande, se vai fazer alguma coisa eu sempre vou com meu carro para não depender de carona porque não cabe, então essas questões que as pessoas acabam de uma forma discreta sempre colocando

ROSA

O que é ser gorda?
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Não Foi Feita Para Ti

A roupa e o conceito seguido pelo “não”

Ser uma pessoa gorda é uma descoberta de papéis. Da mesma forma que, como mulher preta, teve que compreender suas lutas e individualidades no contexto que vive, quando se tornou gorda, novas reflexões tiveram que ser frequentes em sua vida. Rosa começou a engordar após iniciar seu namoro com seu atual marido, também gordo. Nunca teve problemas de saúde nesse meio tempo, os exames sempre perfeitos, apenas no último ano seu colesterol bom desregulou. Porém, por mais que o físico se mostrasse positivo, seu estado mental foi um processo de construção e cuidado no início de sua vida como pessoa gorda.

O processo para se aceitar, de se entender em sociedade e se compreender foi uma fase conturbada, principalmente em um momento que enfrentava outros problemas em sua vida. Por conta disso, Rosa precisou de ajuda com acompanhamento psicológico, para se manter em pé naquele momento. Atualmente esse contato não consegue ter espaço em meio à sua rotina corrida, algo que gostaria de seguir em atividade por ser um cuidado muito importante para sua vida.

O segundo desafio que passou foi quando sua filha nasceu, hoje com quatro anos. Aceitar o papel de mãe, aliado às mudanças que a gestação trouxe no seu corpo, foi um grande desafio. O início da maternidade foi um momento desgastante para Rosa, tanto que perdeu muito peso no início e depois exagerou na alimentação, e, novamente, precisou recorrer à ajuda psicológica para se aceitar, entender e enxergar seus objetivos no futuro, de conseguir visualizar novamente a pessoa que é.

Ao passar pelas mudanças que cada fase trouxe para si, percebeu que a saúde mental é um grande fator que pode influenciar na saúde das pessoas gordas que convivem em seu dia a dia. Em doenças como a depressão ou ansiedade, ela relata que os sintomas podem causar hábitos como a alimentação compulsória, falta de energia para exercícios e a falta de atenção no cuidado com exames necessários. Quando percebeu esses impactos em sua vida, começou a fazer academia para sair do sedentarismo. Porém, da mesma forma que o julgamento alheio esteve presente em outras fases de sua vida, Rosa foi desacreditada. Não contentes com o movimento de busca por uma vida saudável, os olhares do “outro” a criticaram mais uma vez.

talvez fazer interações nesses desenhos, q quando vc clica em botões brancos, aparece algum gif bonito, seila.

PORQUE VOCÊestá  indo?

VOCÊ AINDA TA INDO NA ACADEMIA?

você AINDA TA INDO NA ACADEMIA?

MAS VOCÊ NÃO ESTÁ EMAGRECENDO...

 Mas você não está emagrecendo...

PORQUE VOCÊ ESTÁ INDO?

porque você está indo:

VOCÊ VAI COMER TUDO ISSO?

você vai comer tudo isso?

você não vai para a academia agora?

PORQUE VOCÊ NÃO VAI SE CUIDAR?

VOCÊ NÃO VAI PARA A ACADEMIA AGORA?

Emocional
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Uma das principais dificuldades que sente atualmente sobre seu corpo é não se sentir aceita nos ambientes que frequenta, e um exemplo são as lojas de roupas. Quando se mudou para a cidade onde mora, as opções escassas para seu perfil trouxeram desconforto para uma atividade tão comum quanto comprar roupas. Seja pelos provadores minúsculos, mal atendimento, espelhos pequenos, roupas sem sua numeração, e outras violências que podem parecer invisíveis para pessoas que estão dentro do padrão estabelecido nas lojas. Atualmente, por mais que ela reconheça a existência de marcas que se preocupam com a acessibilidade de pessoas gordas, os preços altos ainda não condizem com o financeiro seu e de muitas outras pessoas.

Vestir
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O exterior no interior

Indesejável Atração

Iluminada pela calma luz de seu quarto, em contraste com a tela de seu computador que dava ênfase nas expressões de seu rosto, por mais que estávamos longe fisicamente, a compreensão, o respeito e a sinceridade ao compartilhar histórias era o que nos aproximava naquele momento. Era como se não fossem apenas as luzes no ambiente que iluminavam a conversa, mas também as trocas de perspectivas que agora estão acesas a quem quiser observar. 

Como um dos motivos por não querer se identificar na reportagem, no interior onde mora, não apenas seu peso, mas o maior problema que sofre é por conta de sua cor. Quando se mudou para uma cidade de Santa Catarina, composta por pessoas brancas descendentes, em sua maioria, de alemães ou italianos, a sua presença foi indesejada, fruto do racismo. A partir dessa vivência, Rosa percebeu que quanto mais no interior as pessoas estão, maior a possibilidade delas serem ignorantes, presas em suas bolhas em que vivem. A partir disso surgem pessoas com mentes fechadas, maliciosas, que apenas seus olhares foram suficientes para Rosa compreender que pessoas como ela não são bem vindas e vistas naquele espaço.

Por seu marido também ser descendente de Alemão, o contato com essa parte da família no início foi dificultada pelo preconceito. Porém, o movimento de mudança gradual dessa visão, como Rosa compreendeu, somente acontece nesses ambientes afastados quando o contato é mais próximo e diário, ao se acostumarem com uma presença que antes julgavam indesejada por conta do pensamento pré-estabelecido.

No início sempre tem os dois lados, “ai meu deus você é linda”, mas sempre nessa questão de como se fosse uma coisa diferente do que tem aqui, “ai posso mexer no seu cabelo, como sua pele é linda”, como se fosse uma atração. E tem o lado do: olha, convive, mas prefere não falar nada. Hoje isso não acontece mais, porque eu sempre fui muito resistente a isso, muito forte, porque quando eu conheci meu marido já tinha acontecido muita coisa na minha vida, nossa, mas se eu fosse uma pessoa, vamos dizer assim, frágil, talvez eu ia deixar as pessoas fazerem coisas comigo, ou falar, e não me defender, então se a gente não cria uma certa força minha para me defender, eu ia aceitar situações e constrangimentos que não são certos né. 

ROSA

Dizem que a linguagem é uma das coisas que diferem o ser humano de outros animais. Se isso é ou não um consenso, isso são outras discussões, mas todos sabemos o quão importante ela é. Seja por voz, por gestos, por texto, por olhares, a comunicação é onde acontecem as trocas de vivências entre quaisquer que sejam as instâncias, seja familiar, profissional, em amizades ou com pessoas desconhecidas. Falar é mudar. Para que preconceitos sejam reavaliados por cada sociedade, é preciso que não exista tabu no diálogo, para que sejam constantes os questionamentos sobre o senso comum.

E a partir dessa visão que funciona o relacionamento de Rosa com seu marido, a partir da sinceridade e abertura um com o outro, a conversa sobre o que passam, o que sentem e o que pensam é frequente, principalmente quando falam sobre seus corpos.. Onde ambos trabalham, o marido precisa se movimentar bastante, o que, em função da obesidade, tem sido uma constante dificuldade para seu dia a dia. Como a rotina de Rosa mudou positivamente após começar a fazer exercícios físicos, ela ultimamente tem tentado o convencer a se juntar também, para assim compensar a rotina dos últimos meses que estava resumida ao trabalho de casa. Foi a partir da conversa e da preocupação um com o outro, ela apresentou os benefícios do exercícios para mudar sua disposição, a alimentação e auxiliar o marido a emagrecer para melhorar sua qualidade de vida.

Vogal

O assunto sobre sua cor também sempre esteve presente em sua relação, principalmente quando situações desconfortáveis acontecem na família ou no convívio com os vizinhos. O que mais motiva atualmente essas conversas é o fato de sua filha ser uma menina preta também. O respeito com os outros e a compreensão social a acompanham desde cedo, seja pelos ensinamentos da mãe sobre a sua cor, ou o contato frequente com pessoas gordas em sua família. Como Rosa sofreu racismo na sua época de escola, quando ela tem a oportunidade de falar sobre o assunto, a família conversa bastante para que a consciência esteja presente no crescimento de sua filha. 

mudança
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Crescer
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Que passa livremente pela fala, sem obstrução

Dentro de cada detalhe, as pausas de cada passo

Minha, Meu, Eu

Por mais difícil que sejam as mudanças que buscou em sua rotina para melhorar sua saúde, os resultados positivos compensaram o esforço. Com o movimento veio a disposição, vontade de fazer, de ser. 

MINHA, MEU

São os detalhes que constroem sua autoestima e bem estar diante as dificuldades do cotidiano, é a partir disso que consegue se encontrar.

EU, ROSA

Contando que seja você
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Um tema bem recorrente nas entrevistas é o outro. Porque, por mais que você tenha um relacionamento bom consigo mesmo, ainda assim tem o outro que na maioria das vezes você não consegue mudar. Então, deixo aberto se você quiser contribuir com algo que você gostaria de falar...

Eu acho que esse é um tema que a gente precisa falar muito, porque tem muitas pessoas que chegam na gordura por questões emocionais, que eu vejo no meu grupo de convívio, e eu acho importante eu colocar que a gente tem que se aceitar e se amar, acima de tudo, se você talvez não tá com o corpo que não gostaria, só depende de você para mudar a situação ou não, e você não precisa mudar pelo outro, se você se ama e ta bem do jeito que você tá, é isso que importa, claro a gente vive em sociedade, é óbvio, ninguém vive sozinho ,mas o mais importante e acima de tudo é você estar bem consigo mesmo, eu busco muito isso na minha pessoa sabe, de “calma, tá tudo bem comigo, eu to bem, essa situação ta ok para MIM?”, se não estiver, se estiver desconfortável, se eu não concordar, eu não vou permitir, então assim, a gente sempre buscar o melhor para nós, e isso é o que importa, de estar bem consigo mesmo, de se amar, se aceitar, e mostrar para os outros que você ta bem, e se não tá, também, porque não se mostrar, “ó, eu preciso de ajuda, não to bem”, porque a gente precisa do diálogo, a gente precisa do contato, e sempre que possível a gente precisa estar bem né.

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